Deus tem dente
Que nem a gente? O destino sempre tece Até quando esquece? Qual o som do silêncio Quando ficamos todos quietinhos Olhando para o mar muito azul Num dia de domingo? O que o vento grita Para as folhas da calçada Que assustadas se arrastam Nessa tarde ensolarada?
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Sapatos
Vira-luas Folhas amarelas em pânico Cachorros Guarda-chuva perdidos Afinador de pianos "A vida é cheia de pacotes..." Ruazinhas A lua Quilômetros do silêncio noturno Andorinhas Trem que não vem Anjos sonâmbulos "As únicas coisas eternas são as nuvens..." Gosto da palavra mármore e losango. Não sei porque, mas penso em pedaços de doce, daqueles preparados em tachos de barro sobre fogo de lenha e colher de pau bem grande na mão da cozinheira preta, suada, lenço no cabelo, sorriso branquíssimo no rosto como se lavado à sabão de coco.
Uma bailarina dança no centro do meu medo Uma bailarina com asas de borboleta Ossos de lagartixa Uma bailarina se olha no espelho no centro do meu medo Eu sem ossos Com pele de lagartixa Transparentes. Os olhos dela Inquebráveis. Os meus medos Os ossos que dançam no centro do espelho Eu de asas Como uma borboleta bailarina dançando no espelho do meu centro Dentro de casa, dentro da garrafa, do jarro, borboleta amarela, azul, branca como cópia delicada de uma história perfeita.
Aquele que se acha um gênio despeja tudo na página, linhas pontilhadas, luz que me ilumina. Marcelo suspira sentado no sofá, ouvindo o programa pelos fones de ouvido, caneta bic. Estou acostumada a ficar sem nada, arroz e tudo, lagarta, ovo e a roupa para ser passada. Ouvindo Nick Cave e seu "the boatmans call" me sinto dentro de um trem que avança por uma paisagem cinza, onde chove e o horizonte está coberto pela neblina.
O vale se estende como um tapete verde. Sua cor reavivada pela água da chuva. Enquanto pingos grossos batem de encontro à janela, sinto as batidas do meu coração e minha respiração. A vontade de me entregar à tristeza me toma de impulso e eu resisto por não querer parecer tola chorando num banco de trem. "(...)
Bem, de pouco adiantou, disse em voz baixa, avaliando com desgosto os cadernos e blocos amontoados em torno. Tudo na vida é fácil, até ser tentado. Escrever também, e como! A pessoa tem muita coisa a dizer e acha que vai dizer e aí não consegue, nunca sai o que se queria dizer, chega a dar tristeza. E a arrumação, como é difícil a arrumação! As palavras sempre esquivas, sempre dando a impressão de que existe uma melhor, entocada em algum buraco da mente. Mas também que coisa mais desmiolada, essa idéia de escrever. Nem sabia direito o que queria escrever, se era uma espécie de estudo, ou depoimento, ou diário, ou romance, ou artigos - a cada instante um deles era melhor escolha e aí, de repente, tudo se desfazia e voltava a imperar a maior confusão. (...)" O sorriso do lagarto - João Ubaldo Ribeiro Alma de artista é como corda de violão que tocada responde com música, é como bambus ao vento. Ela é sensível às vibrações do mundo.
Alma de artista é aquela que tem ânsia do movimento mesmo quando o medo do novo nos paralisa. O desconhecido é sempre um desafio. O novo nos amedronta. É nos momentos em que nossa alma é tocada - pela brisa, pela música, pela poesia, por uma fração de segundo ao lado de quem se ama - que vislumbramos a verdade suprema: de que somos parte do silencioso movimento chamado vida. De que nosso destino é seguir em frente. De que não há como se agarrar e ficar parado. De que somos também parte do vento. Ao lermos um livro que gostamos muito nossa mente fica dentro daquele universo explorando ruas de historias que poderiam ter existido se o escritor tivesse se decidido por elas.
Ao lermos um livro realmente bom ele continua ecoando em nós seja quando dormimos ou quando estamos acordados. Sua magia continua apesar do ponto final na última página. Ontem achei um livro interessante e muito elegante na biblioteca, com depoimentos de escritores de língua alemã sobre seus processos criativos. Elfriede Jelinek diz que o computador foi feito para ela. Raramente ela escreve um texto à mão. Günter Grass por sua vez gosta de canetas antigas e chega mesmo à escrever com aquelas canetas com pontas de penas. Herta Müller diz que não se importa com o material de escrita. Que na época em que viveu na Romenia comunista roubava papel da fábrica em que trabalhava como tradutora para poder escrever. Ela escreve direto no computador. Quando escreve à mão prefere caneta vagabunda e diz que não conseguiria escrever em papel bonito, pois seus temas são tão crus que ela se sentiria intimada por papéis finos e decorados. Eu escrevo tanto no computador quanto à mão. Sinto necessidade também de imprimir o escrito no computador. Quando percebo que o trabalho no computador não rende, desenho ou faço um exercício de escrita livre para desbloquear. Um dos autores, que não me recordo o nome, deu esse depoimento que deve seguir como guia para todo escritor. Perguntado sobre se ele precisa de algum ritual para escrever ele respondeu: "não preciso de ritual para escrever, só preciso de caneta e papel." Então ... mãos à caneta e palavras ao papel. |
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